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Uma história informal

Sou de Belo Horizonte, Minas Gerais, nasci em 1979 de uma família onde nunca faltou o necessário e sempre sobrou amor. Sempre gostei de desenhar e das Artes Visuais em geral. Meu pai foi meu primeiro professor de desenho, eu gostava de desenhar em sua oficina onde até hoje conserta equipamentos médicos e odontológicos. Ali eu fazia esculturas e instalações de sucata com muita liberdade e alegria. Eventualmente ele era encarregado de fazer ampliações de cartazes publicitários de campanhas missionárias para a igreja, ele fazia isso em pintura e suas ampliações de vários metros cobriam o retábulo transformando o culto em um momento de apreciação da obra do meu próprio pai. Minha infância também teve momentos de pintura mural nas paredes de casa e o colecionismo de embalagens de produtos, caixas de sabão em pó e caixas de café torrado, que chegavam até o teto enchendo cômodos inteiros de volume cor. Meu pai também era minha inspiração nesses momentos de criatividade sem rédeas permitidos por minha mãe. Ainda que vivenciando uma espiritualidade muito tradicional, encontrávamos muita alegria nos serviços religiosos. Aos domingos minha mãe pedia que eu desenhasse alegorias sobre os sermões que ouvíamos na igreja, muitas vezes nas contracapas de sua Bíblia ou na Bíblia de meu pai, mas na maioria das vezes num “kit” que ela levava na bolsa para ocasiões como aquelas. Assim, não era de se estranhar que na escola eu acabasse me tornando o aluno que gostava de desenhar nos cadernos e para os colegas, ser o desenhista me garantia um lugar no microcosmo da sala de aula.

No fim dos anos 1990 ingressei na Escola de Belas Artes da UFMG onde me formei como bacharel em gravura no ano 2000. Em 2001 me tornei professor de Arte no Colégio Batista Mineiro, uma instituição centenária onde lecionei por 10 anos. Em 2003 me tornei professor no projeto Arena da Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte, onde tive experiências mais ousadas no ensino de Arte. Ao mesmo tempo em que minha carreira se desenvolvia no campo específico do ensino de Arte, outro caminho se desenvolveu na formação de educadores indígenas, o que começou com o Magistério Indígena pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais a partir de 2000, até o Curso de Formação Intercultural para Educadores Indígenas da Faculdade de Educação da UFMG, do qual me desliguei em 2008.

Nesse período acumulei algumas especializações e uma publicação mais importante, escrevendo as Orientações Pedagógicas do livro Arte Indígena no Brasil, da antropóloga Els Lagrou pela Editora C/Arte, com parceria da professora Lucia Pimentel. Escrevi manuais e organizei exposições dentro e fora das instituições onde atuei e desenvolvi um trabalho artístico tão diversificado quanto essa experiência. Ofereci palestras, participei de seminários e simpósios sobre a Arte e seu ensino. Em 2011 me mudei para Brasília com a família e atuei principalmente como consultor de educação escolar indígena para organismos internacionais como OEI e UNESCO no Ministério da Educação, o que me fez pensar mais sobre o poder harmonizador de realidades violentamente díspares através da Arte e seu poder humanizador tantas vezes subestimado. Retomei meu estúdio em casa com o espaço virtual que se tornou minha aposta numa vitrine para esses trabalhos. Em 2015, com uma família maior, voltei a me dedicar ao ensino de Arte.

Tomei a figura do sapo como símbolo da capacidade de reação às adversidades, de transformação interna e externa, de purificação e, portanto, de criatividade. Platão inspirou com sua filosofia a expressão vitoriana a necessidade é a mãe da invenção, mas em Minas Gerais o homem simples não acredita que faz filosofia, então diz que está matutando. O matuto vai dizer que a necessidade é que faz o sapo pular, e eu acho que tem muita sabedoria nisso. O sapo não expõe suas capacidades, não torna público do que é capaz e não se movimenta até que a necessidade se apresente crua diante de si. Se o grego dizia só sei que nada sei, o mineiro vai dizer nas palavras de Guimarães Rosa (1908-1967) eu quase não sei de nada, mas desconfio de muita coisa. Assim, segui minha formação acadêmica e meu trabalho pessoal buscando servir ao meu propósito, minha vocação de contribuir com quem compartilha comigo essa caminhada.

Tornei-me mestre em Artes pela UnB em 2018 com uma dissertação sobre a obra Bartira (1954) de Victor Brecheret (1894-1955) e sobre o conceito de “indianidade”, que acredito ter sido uma das buscas dos modernistas no início do século XX. Deixei a sala-de-aula em 2019, e, sem jamais imaginar algo tão dramático e absurdo como o isolamento imposto a nós pela pandemia de COVID-19, em 2020 passei a dedicar-me integralmente à minha produção artística, oferecendo Arte de qualidade com o melhor da minha habilidade e formação de excelência. Finalmente, no segundo semestre de 2020, iniciei meus estudos no bacharelado em teologia pelas Faculdades EST, um ciclo que preciso fechar para a melhor compreensão das motivações espirituais do meu trabalho, uma dimensão que nunca deixei de considerar em minhas pesquisas e criações. Ainda na UFMG meus colegas e alguns professores me apelidavam de "o Padre Arrependido", apelido que eu acolhia com carinho e que hoje penso que demonstrava, já naquele tempo, minha atração, chamado, pelas questões da espiritualidade, de maneira mais evidente para quem convivia comigo do que para mim mesmo. Em toda minha vida sempre fui comprometido com a vida comunitária e com as questões da teologia, hoje sinto que esse chamado continua forte apontando para algo que não sou eu quem vai dizer o que é, isso seria presunçoso demais, mas acho que passa pela ordenação ministerial na Igreja.  

 

Com a estranha sensação de ter voltado ao início no início do isolamento social, graduei-me em Pedagogia, um novo começo. No fim de 2020, e, ainda em meio ao isolamento social, retornei a BH com a família reconfigurada, a alma quebrada, acredito que finalmente pronto para ser feito de novo. Aqui as metáforas tão batidas do oleiro se tornaram realidade, abatido, macerado e afogado em lágrimas comecei a ser refeito. A metáfora do oleiro não é fácil, o barro apanha muito depois de quebrado, macerado e hidratado, pra só então ser carinhosamente reconstituído em vaso novo. Não que eu goste de sofrer, não que sinta qualquer prazer masoquista em me sacrificar, mas para não ficar só nas abundantes referências bíblicas, foi muito libertador descobrir que, de fato, a angústia é o afeto que não engana, reafirma Lacan ([1962-1963] 2005).

 

De forma graciosa, ainda em 2022, tudo mudou novamente, descortinou-se diante de mim a oportunidade de um doutorado em teologia na mesma faculdade onde ainda realizo minha graduação, a Faculdades EST em São Leopoldo/RS, graças a uma boa colocação no processo seletivo com um projeto em que me proponho a um diálogo teopoético com a obra do artivista indígena Jaider Esbell (1979-2021), fui qualificado para uma bolsa CAPES que tornou possível conciliar a vida de pai solo em BH e as constantes idas à minha ALMA MATER no Morro do Espelho. Em 2024 mudei-me com a família para o Morro do Espelho para finalizar meus estudos e ficar ainda mais disponível para a possibilidade de ordenação ministerial na IECLB. Assim, prossigo esta caminhada como teólogo, pedagogo e artista na fronteira, lugar onde sinto ser meu lar, para onde nosso Senhor parece que tem me chamado, para a vida comunitária e para a reflexão teológica, em busca de fazer plenamente parte do fluxo vital da existência em graça abundante e imerso no amor.

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